Herbert Spencer – que organismo social?

Posted: January 13, 2015 in Uncategorized

A noção de sociedade em Herbert Spencer é bastante simples de decifrar: a sociedade é um organismo que se assemelha a outros agregados orgânicos, existindo por isso diferentes órgãos com diferentes funções que perdem a sua individualidade para constituírem um todo – a sociedade.
Herbert Spencer centra esta ideia em duas premissas: no desenvolvimento da estrutura e na diferenciação progressiva de funções. Partindo da observação de outros organismos vivos, Herbert Spencer, concluí que a sociedade também apresenta um processo contínuo de crescimento, ao longo do qual as várias partes de uma sociedade assumem uma estrutura mais complexa, onde cada uma dessas partes desempenha uma actividade de tipo diferente, relativamente às demais, embora estejam com elas relacionadas reciprocamente, formando relações de dependência mútua que estão na base da constituição de um agregado – este é o princípio que se verifica nos organismos vivos.

Tal como cada órgão do corpo humana está desenhado para cumprir uma determinada função – com maior ou menos autonomia – também a sociedade está dividida em partes que guiadas por um grupo decisor cumpre determinadas funções, visando a sua própria existência e continuidade.

Herbert Spencer aplicou uma visão darwinista a um conceito dinâmico e talvez um dos conceitos mais maleáveis e instáveis que existem. Pode-se encontrar na época em que viveu, fundamento para a sua visão científica e muito pragmática da sociedade. No entanto aquilo que verdadeiramente cria fascínio na sua visão é o facto de ter colocado – propositadamente ou não – as emoções e os laços de interacção social de parte. Não lhes deixa de fazer menção mas por outro lado também não os desenvolve como gostaria que o fizesse. E se no século XIX era compreensível a visão predominantemente mecânica da sociedade, hoje em dia, sem que a razão deixe de estar do seu lado, é necessário explorar outros prismas da questão, nomeadamente as emoções e os pensamentos sociais.

Spencer explica de forma extramente racional que “a sociedade existe para benefício dos elementos que a constituem, e não os elementos para benefício da sociedade” e que tal como “num músculo, cada elemento muscular, ao deteriorar-se por seu turno, é removido e substituído, enquanto os restantes continuam a efectuar em conjunto as suas contracções de forma habitual”. As suas afirmações reflectem precisamente a observação darwinista em torno da selecção natural e da lei dor maior forte (ou apto). Se a sociedade tem um fim concreto, seja ele qual for, é necessário que funcione de forma adequada para esse mesmo fim, colocando-se de parte todos aqueles elementos da sociedade, cuja função ou actividade não são úteis ao objectivo a que a sociedade se propõe. Poderá isto explicar a segregação de terminados elementos da sociedade? Considerará a sociedade que os elementos excluídos dela fazem parte? Spencer dá-nos o primeiro esboço a estas respostas, afirmando que, num contexto de processo de desenvolvimento de uma sociedade, “uma classe dominante ao surgir não se torna simplesmente diferente das outras, assumindo o controlo sobre elas; e quando esta classe se subdivide noutras mais e menos dominantes, estas, mais uma vez começam a exercer partes distintas do controlo global”. Quer isto dizer, que em princípio existe uma classe dominante, a que poderíamos chamar de cérebro, que estando dividida em várias partes, a que poderíamos chamar lobos (frontal, parietal, temporal e occipital) que são “mais e menos dominantes” e as quais cabe “exercer partes distintas do controlo global”. Às restantes partes do corpo social, cumpre realizar funções e actividades que coordenam e auxiliam a direcção de todo o corpo – a sociedade. A segregação explica-se como sendo um processo de remoção dos elementos patológicos do corpo (e não estou a emitir qualquer opinião à cerca do assunto, este é apenas um facto). A deficiência de um corpo requer por isso a sua eliminação ou substituição e é perceptível que a acção humana reflicta este comportamento, existindo exemplos históricos, bastante actuais que confirmar tal afirmação – penso necessariamente no holocausto nazi.

Todavia é preciso não esquecer que “os seres humanos diferem na intensidade das sensações e emoções neles produzidas por causas idênticas, caracterizando-se uns por uma enorme insensibilidade, outros por uma grande susceptibilidade”. E é precisamente este o ponto que Herbert Spencer deixar inexplorado e que tanto debate poderia suscitar. Estaremos a inverter a noção mecanizada e anatómica da sociedade? Poderá a emoção alterar este paradigma? Sabemos que aquilo que difere o Homem dos animais, além da inteligência, é também a complexidade das suas emoções. Fenómenos sociais como a solidariedade, a caridade a ajuda humanitária, poderão ser perspectivados como fenómenos que rompem brutalmente com as concepções aqui expostas? Não consigo encontrar uma resposta certa, pragmática ou muito concreta, todavia creio que a emoção está muito pouco desenvolvida na humanidade. Mesmo as emoções mais fortes podem ser superadas com um bom esforço de racionalismo. Trabalhar a emoção é algo mais árduo e que exige a existência de uma personalidade e caracteres experientes e sólidos. Como conseguir ou exigir sequer que todos nós tenhamos este tipo de personalidade ou carácter? Olhar em nosso redor, e verificar a diferença que existe entre classes sociais, entre humanos de etnias diferentes, motiva a conclusão de que funcionamos ainda dentro de um prisma mecanizado e anatómico. Nesse sentido pouco evoluímos em relação aos demais agregados orgânicos.

Quando reflicto sobre o conceito de sociedade bem como o seu comportamento, não deixo de pensar numa famosa frase de um filme (Matrix): “I’d like to share a revelation that I’ve had during my time here. It came to me when I tried to classify your species. I realized that you’re not actually mammals. Every mammal on this planet instinctively develops a natural equilibrium with the surrounding environment, but you humans do not. You move to an area, and you multiply, and multiply, until every natural resource is consumed. The only way you can survive is to spread to another area. There is another organism on this planet that follows the same pattern: a virus. Human beings are a disease, a cancer of this planet.”

A frase tem tanto de conteúdo como de alcance e não só expõe aquilo que o ser humano tem feito a si mesmo e neste planeta como vai de encontro à tese de Herbert Spencer, no entanto, este não conseguiu identificar que tipo de agregado orgânico somos.

Um vírus: temos não só o mesmo comportamento, como o resultado do nosso comportamento manifesta-se em termos idênticos àqueles que são manifestados pelo comportamento do vírus.

A questão que daqui em diante se coloca é a seguinte: a consciência de que somos uma espécie de vírus, poderá levar o corpo social a alterar o comportamento, ou estarão os humanos desenhados de forma a actuarem como tal? Poderemos reverter este caminho? Conseguirão os elementos decisores modificar a direcção do corpo social?

Pelo facto de serem imprevisíveis tais hipóteses não se afigura útil discorrer muito mais sobre estas questões, devemos pelo contrário, cingir-nos à observação do caminho que a humanidade percorrer até ao presente dia, e aí, concluiremos que somos um organismo – Herbert Spencer estava certo – porém estaremos classificados na categoria de vírus.

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