Posted: January 13, 2015 in Uncategorized

Vivemos na era das verdades absolutas, onde nos fixamos numa e apenas uma só verdade. Tudo o que sabemos e tudo o que julgamos conhecer deriva unicamente de uma só verdade, aquela que estiver estabelecida e alicerçada no maior consenso possível. Não há espaço para outras verdades, nem para que outros caminhos possam ser explorados. Encetar novos trajectos tornou-se um exercício perigoso.

A verdade absoluta é confortante, fornece uma explicação que aparenta ser sólida o suficiente para que determinado assunto se encerre e que não seja mais debatido. Desde cedo o Homem procurou a (falsa) segurança que as verdades absolutas dão. O cristão criou a imagem de um todo-poderoso que comanda a vida de cada um nós e através do qual as coisas na natureza se podem explicar. O ateu firmou-se na ciência e procura através dela encontrar factos que confortavelmente sustentem a tese que procura vingar. Ambos procuram uma mesma coisa: a verdade absoluta. Porque a verdade que é absoluta, é inquestionável, e sendo inquestionável o Homem sente-se seguro. Procura-se explicação para tudo, e tudo tem de ser visto ao milímetro. Por isso se desenvolveram várias ciências, desde as sociais às mais técnicas – todas elas procuram o éter mitológico de categoria absoluta. Desde que haja uma só verdade, tudo pode ser explicado com uma certeza bastante sábia.

No entanto este tipo de verdades têm um grande inconveniente: fazem com que nos deixemos de questionar. De repente, basta que tudo possa ser explicado através de um qualquer dogma e já ninguém se questiona sobre a factualidade, sobre a perspectiva ou veracidade daquilo que o dogma encerra. Levantar questões que se confrontem com este princípio absoluto surge até como algo contranatural. Procurar qualquer outra verdade é caminhar sobre um terreno perigoso, é enfrentar uma corrente que em cada momento nos leva para mais longe daquilo que procuramos. Em ultima ratio a busca por uma das verdades possíveis surge imediatamente como uma mentira que ser explorar, pois atentar contra a verdade absoluta estabelecida sempre foi, é e será visto como algo negativo.

Não deixo de considerar que a verdade absoluta é uma condição essencial para o progresso e para uma sociedade. Se a todo o momento o Homem se questionasse e pusesse tudo em causa, dificilmente uma sociedade poderia caminhar no mesmo sentido. A verdade absoluta que é dada pela e para a sociedade tem o mesmo propósito que as palas têm para os animais de carga:  limitar o ângulo de visão. Se acreditarmos que só existe um único caminho e que esse caminho é em frente, nunca nos atreveremos a ponderar outras opções e assim, tal como esses animais, também a sociedade poderá continuar em frente, seja qual for a direcção que tome.

Se é certo que a verdade absoluta serve de alguma forma um qualquer propósito, como este que enuncio, não menos certo é que a opção cega pelas verdades absolutas resulta numa grande série de inconvenientes. Não só não se questiona o questionável, como não devendo questionando tudo, não se questiona nada. As opções surgem por isso também elas absolutas: ou se há de questionar tudo ou não se há de questionar nada. Sou contra tudo isto, existem coisas que devem ser questionadas, outras que podem conformar o nosso viver. No entanto, não afirmou em opção absoluta que existe um núcleo de coisas não questionáveis, tudo é questionável se o interesse e importância da questão tiver a mesma proporção.

Por esta mesma razão nunca poderão existir verdades absolutas, nenhuma verdade pode ter esta característica. A verdade é necessariamente desdobrável em várias outras verdades, em várias outras perspectivas e em vários outros escopos de veracidade. Entre aquilo que é, aquilo que quer que se seja, aquilo que se pensa ser e aquilo que deveria ser, vai um tão grande mundo de diferença. Uma verdade nunca pode ser absoluta! Se atribuirmos a uma verdade tal característica ela é necessariamente uma mentira.

Reflectia sobre este tema e eis que encontro uma frase de José Saramago que vai de encontro a este pensamento. Dizia o autor que “ao contrário do que geralmente se crê, por muito que se tente convencer-nos do contrário, as verdades únicas não existem: as verdades são múltiplas, só a mentira é global”. As verdades são múltiplas, apenas a mentira é global – que sábias palavras! Nunca se poderá encontrar uma verdade que seja em si completa, nada é uma só verdade, mas tudo faz parte de alguma verdade. Querer verdades absolutas é querer ignorar outras abordagens, outras perspectivas, outros conhecimentos. Precisamos da dúvida, da questão e das verdades múltiplas. Só a interrogação nos pode dar uma certeza mais completa, mas esta é ainda uma utopia, pois se as verdades são múltiplas – e isso é certo – é inevitável ter certezas absolutas sobre o que quer que seja.

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